segunda-feira, 30 de janeiro de 2017



Quero subir, 
como papel
rasgar a lua de prazer 
soltar estrondoso uivo

sou lobo 
deslizando num perfeito encaixe
suspendo meu corpo ao seu
me ponho a varrer seu suor com minha língua
e como num deslize 

a boca é magneticamente atraída
ao seu rígido sexo
com veios a pulsar
deleito em seu estremecer 

foto: https://t.co/KdculM3OaL
no corpo quente
descomedido,

faço morada
suas mãos com delicadeza

a segurar minha carne
carimba suas digitais em minha pele
o corpo vai com vontade
nas costas descansadas, escorre o gozo

enquanto suas mãos
viajam sobre meu corpo
como um escaner
registrando cada canto

cada pedaço de célula
fio à fio

domingo, 29 de janeiro de 2017

Páthos

substantivo masculino

Palavra de origem grega, que em sua essência emite sentidos que vão além das palavras de significância presentes nos dicionários, diz-se a representação do verdadeiro sentimento ao vislumbrar uma 'obra de arte', atingindo a mais íntima das relações em conexão de grau elevado para com o que está sendo visto e sentido. Está designada ao que fazemos, e que novamente vem a acontecer, direcionando-nos ao padecer do acontecimento de forma trágica, pode-se dizer que isso seria causado pelo repertório do observador e também por sua paixão. 

Páthos seria a profunda conexão afetiva com um ser/objeto, que por sua vez nos torna seres pateticamente passivos, nos assujeitando a tudo relacionado aquela notória imagem. A paixão por si só quando sentida num primeiro momento de relação de forma saudável, é bela, acalante, contudo, quando em excesso de forma exagerada o ser passa a ter necessidade da pessoa, e demonstra níveis elevados de dependência, e em seus níveis mais extremos passa a ter comportamentos obsessivos para com sua paixão. O coração sai de sua caixa torácica, o êxtase o domina, uma paixão visceral, excessiva, catastrófica, que está além da admiração, é quase que uma obra Barroca, e seus exageros na expressividade estética, uma paixão que "estimula o sentimento de piedade ou a tristeza; poder de tocar o sentimento da melancolia ou o da ternura; caráter ou influência tocante ou patética" desprovida de controle.

Pessoas que apresentam comportamentos compulsivos e obsessivos assustam, suas atitudes podem ser facilmente confundidas como explosões de raiva, contudo o desespero o leva a exagerar em seus atos, o exagero leva ao exagero e a uma infindável maré de desencontros e acontecimentos desastrosos. A situação que seria algo simples de resolver com apenas uma dose de atenção, torna-se caótica, mas como qualquer outra patologia, a paixão necessita atenção, de nada resolve o ser fugir ou fazer que esqueceu, precisa olhar pra si, e neste momento o auxílio de seus mais próximos amigos é crucial para sua recuperação.

Neste caso, em primeiro momento uma conversa clara entre as partes poderia amenizar todo um desconforto, sentimentos nos arrebatam de forma extrema e acabam por desestruturar nossa realidade e nossa sanidade, porém, se já aconteceram conversas que aparentemente em nada auxiliaram, talvez a melhor solução seria o distanciamento, um espaço para que possam refletir, acertado por ambas as partes, afim de curar-se desta exagerada conexão afetiva, dar tempo ao coração de ambos, respirar, recuperar-se das mágoas causadas por sentimentos idealizados, cobertos por expectativas e frustrações.

Neste sentido olhando para minha situação com o querido amigo, vejo que não é que eu seja desequilibrado, estou desequilibrado emocionalmente, não é que eu seja burro, estou doente, sei que a intenção não foi me ferir em momento algum, as minhas intenções também não eram essas, não é que eu não queira escutar, como posso escutar quando meus ouvidos estão tapados por uma ilusão? me sinto incompreendido, não é que eu goste de me iludir nem de gostar de quem não gosta de mim, eu simplesmente amei verdadeiramente, e este sentimento se transformou, não quero me sabotar, não quero o meu mau nem o mau de ninguém.

"Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que aguardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo horror em última análise, não passe de um desamparo que implora o nosso auxílio." RILKE


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Quem precisa de diploma na escola da vida?




eu quero estar ao sol
quero pular naquela poça
olhar amantes se amando
e sorrir com encanto
por baixo da luz amarela
quero ouvir minha música favorita
curtir o som
enquanto bronzeio minha pele
vou pular na lama
me meter sem temores
rabiscar com tinta a nossa cara
desenhar o céu
em nossas bochechas

quero meu coração amando
amar, é bom
mas ele ainda não soube disso
quero estar com meus pés no mar
ouvindo seu violão tocar
sentir o cheiro bom da areia molhada

dedos entrelaçados
sorrisos à postos
cabelos soltos
e está tudo bem, vamos apenas viver
deixar que as sombras do inverno
desbotem, na luz solar
que chega e aquece
nossos coraçãos.


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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

resiliência

Substantivo feminino
Diz-se-a da capacidade física de que alguma criatura específica goza em retornar a forma natural após passar por um momento de elasticidade extrema. Ou também fitando numa perspectiva figurativa, resiliência é a "capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças", segundo algum dicionário.
Logo observo, dentro de mim, olho atentamente de fora para minhas atitudes, coloco no papel e vislumbro um ser resiliente que estou, e isto de certo modo, pode ser problemático, já que estou a viver o problema, passo por ele, encaro, entendo, estico ao máximo minhas entranhas, mas depois de um tempo volto ao mesmo ponto, de forma as vezes pior, com mais fervor, mais questionamentos.
Neste cenário, observo que: não estou agindo de forma clara, se trata de uma clareza interna, não estou compreendendo os acontecimentos verdadeiramente, muito menos as pessoas, assim na maioria dos casos e com a maioria das pessoas acabo agindo da mesma forma uma, duas, três vezes até todo mundo se cansar e não entender mais nada.
Com certeza este é O Momento de repensar, de racionalizar, não me culpo por isso, pois sei de minhas dores e o quanto estou vinculado a esfera emocional de meu ser, e só eu sei o quanto é difícil trabalhar o racional, contudo, este trabalho não é impossível, pede disciplina, foco, leveza e o principal que também está em falta na minha malinha de ferramentas para um trabalho interno: Amor Próprio. Agora sou uma lagarta, fechando me em meu casulo, por um tempo, para verdadeiramente completar o ciclo de minha transformação, e após muito estudo, muita reflexão, sofrer a metamorfose e finalmente estar pronto,  e poder ser uma bela e esvoaçante borboleta translucida em tons de azul e amarelo ouro.





quarta-feira, 25 de janeiro de 2017



lampejo

No colo
Sentado sobre as pernas de José
Ele sentia algo que não entendia
Apenas achava em seu mundinho
Divertido o frenético balançar

fenda

Na sala
Fitando atentamente aquele doce
Seu olhar de pequeno brilhava
Reluzia ingenuidade, pureza
Gosto amargo de incerteza
Na balinha que o velho dera

silêncio

No chão
Calado, dominado pelo medo
Aquela sombra do macho o perseguia
Sua boca fora tapada
As palavras esvaziadas
Estamos sozinhos, não chore

escondido

Sob a cama 
Fugindo daquele sorriso amarelo
As mãos ásperas que apertavam
Suas mãos macias
O cheiro de tabaco na roupas
Uma dor incompreendida
Lágrimas
Frio na pequenina espinha


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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O Pequeno Príncipe
Antoine do Saint-Exupéry



O oitavo capítulo é o meu favorito deste livro ao qual recomendo a leitura para aqueles, principalmente os adultos, que deixaram de lado, não por opção, mas por convenção, a sua criança interior, sonolenta, adormecida por entre peões, papagaios e bonecas de pano, guardada a sete chaves numa caixinha. O livro pode reacender aquele brilho no olhar, doido para sair de sua toca e proferir um alto e sonoro "Olá".

Rilke comenta em "Cartas a um jovem Poeta" a importância de não deixar a nossa criança interna partir e saber valorar a riqueza de nossa solidão, ele menciona que "o que se torna preciso, é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas - eis o que se deve saber alcançar. Estar sozinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes porque esses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações".

Exupéry faz uma analogia entre pessoas e uma rosa com seus espinhos, fazendo relação às pessoas mais difíceis, incompreendidas e cheias de si que encontramos em nosso caminho. O pequeno príncipe nos entrega de bandeja uma lição de diplomacia e generosidade, e no desfecho do capítulo me levou a uma reflexão sobre julgamentos:


"- Há coisas que não posso compreender! Acho que deveria tê-la julgado por seus atos, e não por suas palavras. Ela era perfumada e me alegrava. Nunca deveria tê-la abandonado. Deveria ter captado sua ternura por trás de seu jeito rude. Como as flores são complicadas! Mas eu era ainda muito jovem para saber amá-la!"

Não nos afastemos das pessoas pelo que achamos ser delas, analisemos com calma as atitudes, e nem por isso julguemos, tragamos elas para perto, tentemos compreende-las e perdoa-las.


CAPÍTULO VIII




Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera, no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam lugar nem incomodavam ninguém. Apareciam certa manhã na relva, e já à tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um grão trazido não se sabe de onde, e o principezinho vigiara de perto o pequeno broto, tão diferente dos outros. Podia ser uma nova espécie de baobá. Mas o arbusto logo parou de crescer, e começou então a preparar uma flor. O principezinho, que assistia à instalação de um enorme botão, bem sentiu que sairia dali uma aparição miraculosa; mas a flor não acabava mais de preparar-se, de preparar sua beleza, no seu verde quarto. Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma sua pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. No radioso esplendor da sua beleza é que ela queria aparecer. Ah! Sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara dias e dias. E eis que uma bela manhã, justamente à hora do sol nascer, havia-se, afinal, mostrado.

E ela, que se preparava com tanto esmero, disse, bocejando:

- Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...

O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto: 

- Como és bonita!

- Não é? Respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo que o sol...

O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta. Mas era tão comovente!

- Creio que é hora do almoço, acrescentou ela. Tu poderias cuidar de mim...

E o principezinho, embaraçado, fora buscar um regador com água fresca, e servira à flor.

Assim, ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:

- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!

- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho. E depois, os tigres não comem erva.

- Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.

- Perdoa-me...

- Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias acaso um pára-vento?

"Horror das correntes de ar... Não é muito bom para uma planta, notara o principezinho. É bem complicada essa flor..."

- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal instalado. De onde eu venho...

Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes, para pôr a culpa no príncipe:

- E o pára-vento?

- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...

Então ela redobrara a tosse para infligir-lhe remorso.

Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério palavras sem importância, e se tornara infeliz.

"Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter enternecido..."

Confessou-me ainda: 

"Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava... Não devia jamais ter fugido. Devia ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar."

Cartas - sexta

---------------- coleção de cartas não entregues ----------------

VI

não vi a hora do amor chegar
buscava sem estrias, numa multidão
poças que cintilavam aos raios do sol
ardente, num explicito erotismo
já era hora de chegar
tão tarde para o seu banquete
suas batatas douradas assavam 
num brando calor que subitamente subia
ele fitava o ponto em que desejastes aquele
turvo cabrito, de cochas firmes
traseiro durinho e bonito
acompanhava a viagem em frenéticos
movimentos de suas mãos
até sua calça de moletom
seu sexo enrijecido num lampejo
desafiando todas as regras da solidão 
que permeavam seu lar
mastigava com bravura, aquele pedaço de carne
ali, estava sua grande brincadeira
sob sinuosa volúpia 
que regia seus movimentos
não passara de um blefe
a castigar o amiudado ser
que o devorava por dentro 
em sua camisa cor de salmão 
no varal, ao lado de fora deste templo
o vento quebrava as partículas de água
em seus lençóis, o perfume era isca
para a próxima presa, a próxima carne de 
seu voluptuoso banquete.



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A Primeira Hora Em que o Filho do Sol Brincou com Chumbinhos
Matilde Campilho

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para o Francisco, aos nove anos

Não é que eu queira que você saiba manejar armas
mas quero sim que se prepare para afinar sua pontaria.

Meu querido, as árvores falam. Os tigres correm olimpíadas em pistas muito mais incríveis do que aquelas feitas de cimento laranja. Usain Bolt vezes cem, o sorriso de Usain Bolt vezes mil. A matemática não é difícil se você comparar tudo ao aparecimento de um cardume. Alguns frutos nascem no chão, outros caem dos ramos. É preciso estar atento. Certas canções despertam em nós a vontade de uma história que já aconteceu mas que não vai acontecer mais. Algumas histórias têm a duração exata de uma música rock, outras se dividem em cantos. No intervalo dá para comprar pipocas. Poucas pessoas contaram as riscas de uma zebra, mas todos os que o fizeram regressaram diferentes. O alvo de um humano está no terceiro olho e um dia alguém vai explicar para você como o afagar e onde ele fica. Nunca aponte ao terceiro olho, com aquilo é só cuidados. Algumas vezes vão te empurrar e você vai empurrar de volta, provavelmente vai até querer pegar uma pedra para jogar no peito de quem te feriu. Isso não está certo, mas é humano. Quase tudo o que é humano é justo, não deixe que ninguém te diga o contrário só não vale enfiar o dedo no tal olho porque isso é igual a matar. A morte é o contrário de justiça. Os peixes respiram debaixo de água e se você mergulhar entre as rochas e se concentrar muito também vai conseguir. Ah é: os peixes brilham mais que as chamas, e alguns deles vão morar dentro de seus pulmões. Segure-se. Faça por polir seu riso, principalmente ao entardecer. Afine diariamente a pontaria e reze para que nunca seja necessário o disparo. Não existe proteção melhor do que a consciência de que podemos decidir atirar ao lado. Sim, daqui a muitos anos você vai conseguir acertar direitinho nessa lata de coca-cola que a gente suspendeu no sobreiro. Só acho que não vai querer. Também vai saber por que razão é melhor segurar uma arma descalço é que é na terra que está a consciência do mundo, e é preciso escutar o seu ruído para agir em verdade. Saiba também, querido, que muitas vezes a sombra de um desenho é bem mais bonita do que o desenho que está à vista. É preciso estar atento, e descobrir o bichinho que se mexe debaixo da folhagem. Não o mate: se cubra de flores e entre para brincar com ele.


sobre o balanço de cordas
ele pronuncia suave
a canção de suas dores
algo não muito comum
já que falar não é de costume
para ele o silêncio diz mais
e ao indagar distinta canção
vem a tona pensamentos de liberdade
aquela da qual tão pensa
uma liberdade visceral
algo próximo à algum penhasco
pensa a meses, talvez anos
incerteza de que ir
será apenas ir, ou O Ir, irá de encontro 
com seu verdadeiro ser


mas quem é? será que é ele o ser
tímido que vê no espelho de seu canto
será que sou eu?
ou você é quem é?
a verdade, de algo particular
a canção fria, pálida eu diria
o balanço estremesse como se fosse romper
as cordas balbuciam promessas de queda
algo lento, que como o tempo passa
sem volta
as traças consomem todo o sisal
aos poucos vai cedendo
o peso da carne 
favorece o romper,
contudo, é o da alma
21 gramas, 21 toneladas
quem desmorona
ao som de um incessante
limite.

O RELÓGIO
20 de julho de 2015

Estava parado quando a conheci. Daqui do alto, nesse lugar sagrado, observava de longe aquela  pressa que a movia, mas  não a deixava sair do lugar. Ainda pequena, ouviu dizer do mundo que tinha de correr. Não sabia pra onde e nunca parou para escutar. Passou a vida toda indo, poucas vezes foi. Ansiava tanto pelas chegadas que raramente reparava no caminho. Desatenta, cometia sempre os mesmos erros - e corria ainda mais para fugir deles! Os ponteiros ensinaram que o mais importante era seguir em frente. Ela só não percebia que, como eles, andava em círculos. De tanto girar, ficou tonta. Não resistiu aos vultos de suas próprias multidões. Agora era a vida que ventava sob seus olhos!  Com a vista embaçada, e sem conseguir abri-los direito, foi obrigada a olhar para dentro. Há tanto tempo não se via, que quase não se reconheceu. Teve medo de nunca se encontrar - e quem a esperaria? Mas lá no fundo, diante da eternidade, percebeu que o tempo nem existia. Não havia relógios para ditar a hora certa de crescer e seus aniversários já não a pressionavam tanto a sair do casulo. Só o amor a libertava da vida presa na ilusão. E era por meio dele que ela se descobria. A cada sentido resgatado, o vento ia diminuindo até virar brisa. Foi quando olhou aqui pra cima e reparou que eu ainda marcava a mesma hora desde que viu a sua vida passar. Não vamos falar em tempo perdido, até porque preso a números e ponteiros nunca ando para trás. Mas, deste dia em diante, ela nunca mais me trocou as pilhas. Passou anos alimentando ansiedades e expectativas e pela primeira vez teve o controle de suas vontades no coração.  Hoje, sabe que todo despertar vem de dentro e espera, pacientemente, que o mundo respeite o ritmo da sua caminhada. 



autoria: Pé de Nuvem
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Cartas - quinta

---------------- coleção de cartas não entregues ----------------

V


Não quero remoer o que aconteceu, já foi e não acho que teve certo ou errado, posso dizer verdadeiramente o quanto foram impulsivas e desesperadas minhas ações, de fato agi de forma desrespeitosa contigo, e acho que lhe pedir desculpas seria hipocrisia de minha parte, levando em conta que já está feito, mesmo que impensado, mas está e ainda é muito recente.

Eu não soube lhe dar amor nem lhe tratar de forma respeitosa, eu não te amei, apenas agi como um louco apaixonado fora de mim, mas quem nunca fez coisas por impulso e desespero em momento de paixão que atire a primeira pedra, o quão delicada é toda essa situação, mas não estou aqui para nos julgar, tem sido difícil durante essa semana encontrar as palavras para lhe dizer, eu apenas lamento ter machucado alguém de estima importância, ferido no mais profundo, arranhado o disco de nossa relação de afeto e amizade. Deixo ao seguinte trecho de cartas ao jovem poeta exprimir algo que nem sei se é o que desejo exprimir:

"Até o comer, os homens transformaram em algo diferente: a carência de um lado, o excesso de outro perturbaram a clareza desta necessidade; e todas as necessidades elementares em que a cidade renova tornaram-se igualmente turvas."

Segue também o conto 'e a brisa sopra' por Marina Colasanti:

"Ao amanhecer, quando vindo do mar começava a soprar leve vento, subia o rapaz no alto daquele prédio, e empinava a pipa amarela. Batendo o tênue corpo de papel contra as varetas, serpenteando a cauda, lá ficava ela no azul até que o final dá tarde engolia a brisa, halitando então a terra sobre o mar, e descendo o rapaz para a noite.

Assim, repetia-se o fato todos os dias. Menos naquele em que, por doença ou sono, o rapaz não apareceu no alto do terraço. E a brisa da manhã começou a soprar. Mas não estando a âncora amarela presa ao céu, o edifício lentamente estremeceu, ondulou, aos poucos abandonando seus alicerces para deixar levar pelo vento."

Espero que esteja bem.

seu,
Jeferson Denzin Barbato

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sinto um calor na boca do estômago, borbulha mais forte que água fervente, em questão de segundos da-se-a início ao embate enfurecido com meu coração que confia, em disputa a desconfiança da mente. Sinto como um rojão impensado, que explode em minhas mãos, se atira sem medo no calor da amargura sem imaginar quaisquer que possam ser as consequências do infortuno ato. É como ler: "não faça poesias de amor", e ir, e fazer, e se atolar num mar de desesperadoras desilusões, não quero parecer um maracujá endurecido, logo pareço o mais acinzentado e comprimido em sua própria carne, chateado, desapontado com ele mesmo, fechado em seus devaneios a julgar o que não é de seu escalão julgar.





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17 de janeiro de 2017




Chuva cai, abrigo!
Molha o chão a transpirar
E assim o tempo passa
Você vem meio sem graça
Com um ligeiro soluçar 

Não encontro outra saída
Ter você em minha vida
Me ajuda, me consome, encanto!
A luz tocou, o palco sorriu
Cheiro bom subiu
E o meu coração?


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13 de dezembro de 2014

Busquei ouvido na mata
Fiz deleite, na mata banhei
Dentre peles e pelos
Defronte suas fúrias
Enfrentei.
Ferimento remarcado
Que deveras implícito
Necessita cura
Essa massa escura
Necessita amor
Esse chão sem flor.




Pede carona, nos veios íngremes
sinuosos da solução
Apoio, no tronco truncado da concordância
Soco no sonho
Rasteira no tempo
Chicote do vento, derruba, sacode. Muda!
Muda trilhos e caminhos
Muda vida, muda ferida
Cresce, planta da sorte
Renova, renasce!
Ressurges das cinzas 
Feito glorioso pássaro flamejante.



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20 de janeiro de 2015

domingo, 22 de janeiro de 2017

MARVIM - III - MARSHMALLOWS E ACEROLAS



Uma semana, exatamente uma semana de seu nascimento, e isso faz do céu um pouco mais limpo comparado a outros dias, as nuvens tímidas balançam como se fossem desgrudar do tapete azul discreto que as envolvem, em leves movimentos a provocar a ternura dos mais sensitivos, como nosso viajor, Marvim sente que este dia será um bom dia, um dia diferente de todos que vem passando nessa longa e tênue semana desde seu doloroso parto.

A amiga mais próxima do Colibri o convida para ver um filme, e numa ansiosa empolgação os dois conversam pelas ondas neurais que permeiam tal tecnologia oriunda de seu espécime, com um nome bem sugestivo: "whatsapp", no decorrer das mensagens, Marvim comunica que está sem passagem em seu cartão e que precisa ir recarrega-lo na mercearia próxima a casa de ambos, ela diz o mesmo, a dupla sabia que poderiam ali se encontrar e foi o que veio a acontecer próximo a porta de entrada, e no mesmo momento uma bala de canhão acerta bem nas entranhas de Marvim, surpreendido por aquela figura humana assustada e encolhida em seus medos, esguio e com aquela mesma blusa preta marcada de abóbora e algodão nos braços, as madeixas despenteadas e despretensiosas, sua coluna como de costume levemente curvada para frente, e sua face branca como a nuvem que pela manhã balançava no céu anil.

Marvim sente aquela tontura que sempre sentirá ao estar próximo de um ser tão caro, suas pernas bambeiam e ele fica tontinho sem saber o que fazer, seu olhar dá um giro 360° e numa fração de segundos decide entrar na mercearia, com os olhos em posição periférica fitando atentamente o Colibri, esbelto como havia de estar, rodopiando seu dedo indicador em seus parafusos negros, Marvim debulha-se em questão de segundos.



Os três cruzam por quatro ou cinco vezes dentro da mercearia, e é chegada a hora de nosso viajor encarar os fatos como são, e tomar uma difícil decisão, encara-lo ou fugir? E ele acaba decidindo por não aborda-los em tal situação, Marvim receia que seu grande amor possa agir de forma "agressiva", martelando ainda mais os caquinhos que sobrara de seu coração, ele foca no orgulho ferido, direciona seu olhar ao lado oposto de seu amado, que está a menos de um metro de distância, engole seco sua saliva, que como navalha desce à partir sua garganta em dois, enquanto passa suas compras no caixa, seu pensamento continha ali, o Colibri a observar atentamente os rótulos da sessão de desodorantes, os olhos de Marvim outra vez viram cascatas, enquanto ecoa por de trás da voz de Colibri a voz da moça do caixa:

- moço, vai colocar CPF? Moço, moço?

Marvim digita seus onze números de registro pausadamente, ao mesmo que se desculpa pela desatenção. E com a sua sacola de jeans, cuidadosamente fabricada por sua habilidosa mãe, carregada sobre seu ombro direito, ele se desloca em pesados passos para fora da mercearia, molhando o chão com suas duas cascatas ele se joga como uma casca de banana no banco de alvenaria ali presente, pensando: o que eu poderia ter dito, qual seria a reação do Colibri, porque sua amiga havia de trazer tamanho peso para seu dia?

Mais uma vez surpreendido, ao seu lado surge um anjo, carregado de marshmallows coloridos e perfumados, outros azedos e picantes, Marvim não exita, agarra o anjo com os braços e desata a chorar, os dois juntos, Marvim e Erika, petrificados ali, naquele canto de alvenaria, e após muitos minutos aos soluços, nosso viajor vai aos poucos desapegando do colo materno de sua amiga que surgira ali parece que com o propósito de lhe ajudar, de lhe dar afago, a atenção de que tanto precisará naquele momento, os dois juntos vão em direção a casa que hospeda Marvim, Erika gentilmente diz:

- Estou com tempo amigo, vou lhe acompanhar até seu canto.

Marvim desprende-se num leve sorriso e os dois seguem caminho, e no caminho, escondido naquela silenciosa travessa, um carregado e pequenino pé de acerolas, faz com que as duas jaboticabas de Marvim brilhem, e ele diz:

- ontem mesmo, em minha solidão, transcrevi um de meus escritos sobre acerolas, colibris e um passeio sobre um trilho de trem.

Dessas fizeram suco, o suco de vinte e poucas e um limão para realçar o azedo das pequeninas vermelhas, assim como faz a mãe de Erika, segundo a própria.




Novas amizades: O poeta Noah que vaga pelas praças da cidade, proclamando-as.
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"As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos prenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa efêmera."

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta, pág. 21, 1985



Juntos deitados sobre a grama, pensando na vida, um do outro, ouvindo suas músicas e em poucas palavras, a melhor conversa das últimas semanas aconteceu, a noite fria servia de cobertor para aquele imenso céu estrelado, correndo no estacionamento, você subia degrau por degrau e nossos corações batiam de adrenalina, eu por baixo, você por cima, tão alto que a vista não alcançava, tão longe que o som da sua voz dispersava pelo espaço, corríamos na chuva, e os gritos de liberdade que embalavam os passos velozes, agitavam nossos corpos, esquentavam nossas narinas, a roupa molhada pingava, assim como nossos cabelos caídos escorriam. Caminhávamos vestidos como a sociedade não aceita, vestidos como nossa vontade mandou, vestidos, longa bata, vestido de longo amor, eu com longas madeixas ainda presas que por trás você registrava, pulando a valeta num caminho errado, certo caminho errado, cuidado! Andávamos em direção a minha carona, iria voar para meus pais, você ficou, mas deixou comigo você e alguns biscoitos de nata.

Acordo amaçado nos últimos dias que antecedem o natal, ao preparar o café, me deparo colocado sob a porta de minha morada, um papel fotográfico, nele estava escrito com caneta esferográfica preta, numa grafia tímida e arredondada: "um fotograma para você jef! feliz 2016" seguido de seu nome, datado 21/12. Você sovava a massa, eu preparava o molho, temperado por ti, a massa cortada em pequenas tiras por mim, cozida em água fervente, aplausos, para a macarronada mais saborosa de minha vida, e a cor do molho, incrível como seu sabor, tomates tão vermelhos, tão fresquinhos. Eu desejo testar uma receita, vi uns bolinhos na internet, e gostaria de tentar prepara-los, façamos juntos, claro, e como que por mágica nascem os cake pop's, crocante por fora, macio por dentro. Rua "imbrainha", diante do calor infernal da cidade que nos acolhe, você gravava um vídeo meu tomando banho no tanque de lavar roupas, você deitado ao meu lado, empolgado por me mostrar seu filme favorito, eu adormeço, mas a culpa não é do filme, e sim de meus preguiçosos olhos. Sinto cheiro do chá de gengibre, agora neste momento que eu mais preciso, como está você?

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Cartas - quarta

---------------- coleção de cartas não entregues ----------------

IV


cores de vida
e as folhas secas rodopiam no ar
tomo a mesma água que me seca
direcionados ao ninho do céu
que repousa na imensidão celeste

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juntos, eu e o colibri embarcamos
cada um com seu desassossego
sossegado por um dia só
um no outro, outro no um
sobre a terra vermelha,
emoldurada por extensa e perfumada vegetação
dois coraçõezinhos em fuga
buscando sei lá eu o que
o não buscar, o sentir, o respirar?

mangas correm ao nosso encontro
A cada quase cem metros, a cada quase cem anos
de um tempo que demora pra passar
quando contigo estou a caminhar.




palavras de Colibri:
Na mesma janela
Um foco de luz
A esperança
O céu azul
____________________________________________
agosto de 2016

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Foto de um lugar do qual eu gostei bastante de estar, embora a circunstâncias
não fossem as melhores, o lugar supria mesmo assim todas as cargas negativas.



o mundo corre
seu corpo para
escorre
vem segredo
vai a missão
contamina o sangue
falha a visão
é crise
chorumela


o mundo para
certo corpo corre
prepara
vaia a missão
tem segredo não
falha a visão
é crise
na casa dela


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19 de janeiro de 2015



Vermelho em linhas contínuas de vida
sobre papel fosco corre
traço a traço
vibrante, procurando olhar
fixo nas calçadas, altares
e luar.
Brota rara seiva
dentro de seu caloroso abraço
que de caloroso, queima
destruindo suas pequenas verdades
uma a uma
vibrante, procurando olhar
fixo nos olhos, calcanhares
adentrando no pulsar


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27 de janeiro de 2015